VELEJANDO NO RIO TIETÊ - SP
11 de Maio de 2003

Alexandre e Rejane fazem uma viagem pelo Rio Tietê a bordo de um veleiro por 400 km.
A aventura também foi registrada pela Revista Náutica de Novembro de 2003
Curta abaixo o resumo desta emocionante e inédita aventura e veja as fotos.
Boa leitura!.


   










































 






Ao todo, 397 km entre as cidades de Barra Bonita e Pereira Barreto
Represas:
- Bariri
- Ibitinga
- Promissão
- Nova Avanhadava
- Trê Irmãos

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Descendo o Rio Tietê em um Veleiro 16 pés

Maio de 2003



A viagem em números

 

 

 

Doze dias de aventura


Alexandre Sanchez e Rejane Sanchez

                                                                           

 

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A viagem

 

Há um ano e meio atrás seria praticamente impossível imaginar que faríamos uma viagem pelo rio Tietê, ainda mais em um veleiro de 16 pés.

 

Em fevereiro de 2002, após um amigo nos convidar para velejar na represa do Jaguari, em Joanópolis-SP, não conseguimos mais parar de pensar em vela. Seu  barco era um Paturi 16 e, apesar do pouco vento do verão, aprendemos a velejar com relativa facilidade. Não era difícil imaginar que não ficaríamos sem comprar um veleiro por muito tempo.

 

No final de março, após consulta em vários sites na internet, achamos um Paturi 16 parado na represa de Nazaré Paulista por um preço interessante. O veleiro precisava de alguma reforma, mas estava completo para sair velejando. Depois de horas de negociação, fechamos o negócio.

 

O levamos para a represa de Joanópolis onde passamos todo o ano velejando, aprendendo um pouco das “manhas” da vela, com ventos fracos e fortes. Muito bons os finais de semana em que ficamos na represa, dormimos no barco, fizemos churrasco e tomamos uma cerveja gelada.

 

Em julho do mesmo ano estávamos lendo o primeiro livro da Família Schurmann e a idéia de sair por aí velejando por longos trechos, tendo uma vida dentro de um barco, nos fascinava a cada dia.

 

Decidimos então que compraríamos um barco maior e faríamos uma viagem pela costa brasileira. Para termos uma idéia melhor do que seria velejar no mar, alugamos em Parati um veleiro para darmos uma volta no final de semana: o resultado não foi muito bom; a combinação desastrosa foi cerveja, ondas do mar, cheiro de diesel e para completar um cisco no olho que me deixou pra lá de atordoado. Além disso, percebemos de perto a maior complexidade de navegação no mar.  Parece que a represa é um lugar mais confortável para velejadores pouco esportistas, que gostam de um churrasco e cerveja a bordo!! Voltamos para Atibaia pensativos: não trocaríamos o barco e por tanto não faríamos a tal viagem pelo litoral.

 

Semanas mais tarde, amigos na marina fazem o comentário iluminado: dizem que têm um plano muito interessante que é descer o Rio Tietê e Paraná até a Argentina em um pequeno veleiro 16 pés. Brilhante idéia!! Seria a viagem no litoral em pequena escala!! Era setembro de 2002.

 

Foram meses de noites mal dormidas. A ansiedade era maior que o desafio. O problema era então entender o que tínhamos que preparar e uma lista enorme foi gerada. Dividimos em questões, pendências do barco e apetrechos para levar. Questões surgiram, como: em maio o rio está cheio? em maio, há mais correnteza que o normal? o motor atual do barco consegue subir o rio, caso seja necessário? a altura do mastro é menor que 7 metros? sete metros é mesmo a altura máxima permitida? marinas para parar? se sim, onde estão? quantos km andaremos por dia? de vela ou de motor? quanto combustível temos que levar? onde podemos abastecer?  quanto de água precisamos levar? onde podemos abastecer? como carregaremos a bateria? o que e quanto levaremos para comer? que tipo de poita usaremos caso tenhamos que parar fora de marinas? necessidade de comprarmos GPS? necessidade de comprarmos rádio VHF?  qual o consumo de combustível por km? algum tipo de autorização para navegar? como gelaremos cerveja? faremos seguro da embarcação?

 

Como o barco precisava de algumas reformas, tínhamos como pendências: comprar carreta rodoviária, arrumar esticadores, iluminação para navegação, pintura, armários, fogão a gás, poita Danfort, registro do barco, cortar e lavar as velas, colchões.

 

E por fim a listinha: levar inseticida, buzina, lanterna, despertador, pilhas, celular, ferramentas, roupas de frio, roupas de cama, toalhas, panos extintor de pó, coletes, primeiro socorros – dor de cabeça, colírio, Band Aid, etc.., rádio de música, remo, máquina fotográfica, filmes,  Super Bonder, Durepox, diário de bordo,  repelente para pernilongos

 

Dá para imaginar o tempo que este negócio nos consumiu. Parece simples, mas entre tantas coisas listadas, algumas levaram meses como a compra de uma carreta adequada e o registro da embarcação, compra do Atlas da hidrovia Tietê, etc...ficamos realmente envolvidos com o projeto. A data de saída deveria ser maio pois era o mês de nossas férias, além de nesta época as chances de chuva serem menores. Foram sete meses de preparativos sendo que em março e abril de 2003 gastamos todos nossos finais de semana na reforma do barco e acertando os detalhes. Entre eles o mais desafiador: como abaixaríamos o mastro durante a viagem? Isto porque a altura do barco, da linha d´água até a ponta do mastro tem mais de oito metros após termos colocado a antena do rádio. Realmente foi um exercício de criatividade. Tínhamos que achar uma maneira simples, rápida, e ao mesmo tempo segura de abaixarmos o mastro com barco no meio do rio, só em duas pessoas!

 

 

O Paturi 16 sendo reformado

O batismo do Enseada (com cerveja!). Após a reforma, o antigo “Vida Chata” muda de nome.

 

 

No dia 10 de maio, bem cedo, nos levantamos para seguir viagem até a represa. Dormimos pouco durante a noite pensando sobre tudo que poderia acontecer no dia seguinte. Por volta das seis e meia da manhã pegamos o carro já carregado no dia anterior e seguimos para a represa de Joanópolis. Próximo a Marina onde ficava o Enseada, cerca de um km antes de chegarmos, há uma rampa de terra muito íngrime e que pensamos não ser muito seguro tentar puxar a carreta com a Saveiro naquela subida. Chegando à Marina, desmontamos o mastro e iniciamos a montagem do Enseada sobre a carreta. Até aí não havia muita novidade pois o barco havia passado semanas sobre a carreta durante a reforma. Com a ajuda do Sandro e Sr. Jerônimo, ajudantes do local, amarramos o mastro sobre o barco com uma de suas pontas sobre o garda-mancebo da proa e a outra passando sobre as tampas da cabine e finalmente na popa. A amarração ficou bem firme. Colocamos ainda cobertores velhos entre o mastro e o barco para que durante a viagem, com  a tripidação, não ocorresse arranhões na pintura nova que havíamos feito. A Saveiro estava lotada e puxaria até Barra Bonita uma carreta e um barco totalizando 800 kg!

Engatamos inicialmente a carreta no trator da marina que a puxaria até passar a rampa de terra. Fomos com o carro à frente observando com muito cuidado o que estava acontecendo com a embarcação. Apesar de aparentemente o todo conjunto tender a tombar quando passava em um buraco, o que nos tranqüilizou foi que realmente a carreta estava muito bem feita para o Enseada. Em nenhum momento se percebia o barco se movendo sobre a carreta.

Ao lado, observamos a represa que durante meses nos divertimos e pensamos com um certo ar de nostalgia sobre o futuro, quando voltássemos e se estaria tudo bem após a viagem.

Passando o desafio da subida, desengatamos a carreta do trator e a engatamos na Saveiro. Pronto, pela primeira vez após meses estava formado o conjunto que nos levaria até Barra Bonita.

Iniciamos a puxar a carreta bem devagar e teríamos ainda uns sete quilômetros de terra para sairmos para os asfalto rumo à Rodovia Fernão Dias. Os primeiros três quilômetros foi tudo muito tranqüilo. Quando já estávamos nos acostumando com a idéia que não seria tão difícil assim puxar o conjunto ocorreu um imprevisto. O carro estava muito lento, perto de vinte quilômetros por hora, e iniciamos uma subida que nuca havia nos chamando a atenção durante todas as vezes que passamos por ali. Realmente a rampa tinha uma inclinação razoável e fez com que o motor do carro morresse mesmo em primeira marcha. No reflexo de sempre, pisei firme no freio para que não começássemos a descer e  com o pé ainda na embreagem religuei o motor e tentei arrancar. Na primeira tentativa o motor voltou a morrer. Na segunda tentativa foi quando percebemos que a situação não era tão simples. As rodas dianteiras da Saveiro patinavam sobre a terra e as pedras e ao invés de subirmos acabávamos descendo mesmo acelerando!. Parei novamente e puxei o freio de mão. Eu e Rejane nos entre olhamos com aquele ar de que algo havia dado errado,. A primeira coisa que nos passou pela cabeça foi tentar ligar para o Sandro e pedir para que viesse com o trator nos rebocar. Puts, que perda de tempo pensei. Além disso, teria que ter uma corda ou cabo resistente, puxar pelo eixo dianteiro do carro; Parecia meio perigosa esta história.

Neste momento o carro e a carreta estavam próximo a um pequeno barranco do lado esquerdo da estradinha e já não estavam mais alinhados. A carreta estava uns quarenta e cinco graus com o carro e se a Saveiro descesse mais um pouco poderíamos ainda tombar neste pequeno barranco. Apesar de todo o cenário, decidimos tentar mais uma vez. Voltei a ligar o carro, acelerei bastante (o conta giros marcava seis mil rotações por minuto) e aos poucos fui soltando o freio de mão juntamente com a embreagem. O resultado era assustador pois ficamos rodeados de terra, muita poeira e agora fumaça de pneu queimado e muito provavelmente disco de embreagem também. Porém, bem de vagar o carro começou a se mover para frente e percebemos que poderíamos então sair. Continuei por mais alguns segundos e então as rodas pararam de patinar e finalmente nos movíamos de forma uniforme para frente. Ufa! O coração batia rápido e sentimos uma mistura de alívio e preocupação pelo que viria pela frente.  A partir daí percebemos que deveríamos iniciar as subidas com um pouco mais de velocidade, mesmo na estrada de terra. Havia uma última subida parecida com esta na estrada e poucos minutos depois ela estava na nossa frente. Engatei segunda marcha e com cerca de uns quarenta quilômetros por hora subimos bem, com uma reduzida de marcha rápida no meio da rampa e pronto, chegamos na parte plana da estradinha, faltando uns dois quilômetros para o asfalto. Nossa preocupação era se algo tivesse estragado no carro, mas na verdade não havia muito o que fazer pois apesar de tudo estávamos andando normalmente.


A viagem correu tudo bem. Realmente um carro 1.6 deve ser o limite para puxar pesos desta forma. Nas subidas a velocidade caía bastante e nas decidas tinha que segurar um pouco no freio para que a velocidade não aumentasse muito, deixando a carreta um pouco instável. A grande vantagem era que a carreta estava muito bem feita para o barco. O encaixe foi perfeito de forma que o barco, apesar de sua quilha fixa e seu posicionamento alto na carreta, não se movia sobra a mesma.

 

Enseada parado em um posto na Via Anhanguera, rumo à Barra Bonita

 

 

Chegamos em Barra Bonita à tarde, e após conhecermos a marina da Barra e o pessoal de lá, jantamos e fomos dormir cedo. No dia seguinte teríamos a grande partida.

 

Domingo, 11 de maio de 2003, 10:45 h da manhã. Esta foi a data de nossa saída com o barco que jamais esqueceremos. Após montarmos o  mastro e tudo mais, nos despedimos de nossos pais e irmãos que estavam por lá e começamos nossa aventura.

 

 

Partida: deixando a Marina da Barra

 

O frio na barriga foi grande quando saímos da baía protegida e entramos no rio! Não tínhamos certeza de como o barco iria se comportar, como seria quando cruzássemos com uma barcaça...etc. Llogo nos primeiros metros a primeira grande emoção: passamos pela primeira ponte sem abaixarmos o mastro, pois pelo Atlas da hidrovia havia espaço suficiente. O mastro passou próximo da estrutura de concreto, mas o que nos assustou foi olhar para trás e vermos vários cabos de alta tensão na ponte – e nós passamos com a antena do rádio a menos de 1 m deles!

 

Passado o susto da ponte, relaxamos um pouquinho e começamos a seguir as indicações da hidrovia; logo entramos em uma região cheia de pedras que estavam ao lado das bóias sinalizadoras! Decididamente uma pedra seria suficiente para atrapalhar em muito nossa viagem.

 

Próximo ao km 49 da hidrovia constava um linhão no Atlas, o que significaria nossa primeira abaixada de mastro. Ao longe avistamos as torres mas não conseguíamos enxergar os linhões! Graças à ajuda do nosso potente binóculo Halley (sim, é da época do cometa!) verificamos que não havia cabos e que aquela torre havia sido desativada! Sem a dor de cabeça de abaixar o mastro, nos motivamos a colocar as velas.

 

Mas como é doce a vida em um pequeno barco! A quantidade de cabos é até pequena, mas o suficiente para que todos se enrosquem de tal forma que nem um oficial da Marinha teria paciência para desatar! Ao tentar colocar a mestra, vimos que o cabo da manilha estava por dentro da cruzeta; isso significava: ou ter que abaixar o mastro novamente ou pacientemente tentar jogar a manilha de volta à sua posição normal. Apesar de aparentar ser uma operação simples, some um vento suficiente para levar o barco para as margens (leia-se pedras) e também suficiente para fazer o cabo enroscar na outra cruzeta. Alguns minutos e algumas acrobacias depois conseguimos deixar o cabo na posição correta e seguir velejando por mais alguns quilômetros.

 

E lá estava o linhão do km 38, aquele realmente ainda estava por lá. Retiramos as velas, preparamos os cabos, soltamos os cabos de aço e conseguimos abaixar o mastro com sucesso, graças ao super "Xcap" (suporte de madeira em X onde o mastro ficava apoiado quando abaixado). Erguemos o mastro novamente e erguemos as velas. Seguiríamos velejando até o próximo obstáculo: a ponte da Fepasa. Nela, seguimos o mesmo ritual: abaixa vela, tira a retranca, solta os estais, apóia o Xcap, desce o mastro (ufa!). Após cruzarmos a ponte, seguimos com o mastro abaixado até cruzar a ponte de rodovia Jaú-Bauru, que estava a uns 4 km. Só então remontamos o mastro e erguemos as velas.

 

Chegando ao BTC (Bauru Tênis Clube) vimos um veleiro grande vindo com velocidade em nossa direção. Um dos tripulantes perguntou se íamos ficar no BTC, acenamos que sim e eles disseram que viriam conversar depois. Nos sentimos muito bem em vermos “irmãos” velejadores por ali.

 

Chegamos ao BTC, avistamos o Seu Waldemir no píer, que prontamente nos indicou um lugar para atracar. Que felicidade chegar por água em um lugar que havíamos estado com o carro! A sensação de bem-estar se apoderou de nós e contemplamos como poucos o pôr-do-sol daquele dia, por entre os veleiros.

 

Pôr do sol em Bauru, no Bauru Tênis Clube

 

Após um delicioso banho e umas latinhas de Kaiser Bock, voltamos para o barco para preparar o jantar do dia: arroz branco, feijoada, farofa, molho de pimenta e salada de tomate. Logo que terminamos o jantar chegou o veleiro que havíamos encontrado de tarde: de lá saíram dois velejadores, o Breno e o Erik, ambos residentes em Bauru. A conversa seguiu animada até altas horas quando nos despedimos e eles saíram, para nossa surpresa, para dormir na poita. Até esse momento não tínhamos entendido o por quê dessa ação, mas na manhã seguinte...

 

O trânsito de empurradores é contínuo e, para nossa infelicidade, durante a noite passaram várias barcaças, levantando ondas fortes e nos jogando para os lados e para cima dentro do barco... é, a noite foi bem agitada, “literalmente”!!

 

Na manhã seguinte lavamos o barco, algumas roupas e nos preparamos para sair. O pessoal do Anuira, o Atol 23 do Breno, ainda parecia dormir e por isso decidimos seguir a viagem sem incomodá-los. O vento que estava bom no dia anterior hoje se mostrou fraco, chegando mesmo a parar por entre as curvas do rio, o que nos deu muito tempo para beber cerveja. Para nossa surpresa, ouvimos um “Atento Enseada” através do rádio e, era o Breno! Ele não teria que trabalhar naquele dia e então o convidamos para uma velejada até Itapuí, onde iríamos almoçar em um restaurante que o Erik havia indicado.

 

O Atol 23 é um barco bem marinheiro, que velejou bem e conseguiu nos alcançar de modo até rápido. Conversamos bastante na prainha de Itapuí, bebemos várias cervejinhas e o resultado foi uma boa amizade!

O celular tocou e o Anuira teve que retornar ao BTC. A amizade entre os velejadores é impressionante: toda e qualquer diferença pessoal é sublinhada pelo prazer de velejar!

 

 

Deixando o Anuira na Prainha de Itapuí

 

Após comer um “miojo”, continuamos nossa viagem até o atracadouro da CESP, em Bariri. Foi muito emocionante passar por esses lugares conhecidos e até de nossa infância, em uma situação tão especial. O nosso sonho estava se realizando.

 

Chegando em Bariri, avistamos duas figuras conhecidas no atracadouro: seu Idemir e o Ronaldo, nosso “professor”de duas aulas em um veleiro e o proprietário da marina onde fica o Enseada em Joanópolis, respectivamente.

 

A recepção foi muito calorosa pelo pessoal da CESP, e quando um comandante de uma embarcação afirmou que seu sonho era velejar, o pedido prontamente atendido! Acreditamos entretanto que seu Esmerildo ficou um pouco avesso às adernações do barco e pediu para voltarmos rapidinho!

 

Jantamos na pousada da CESP e decidimos que iríamos dormir mesmo no nosso barco, até para não deixá-lo sozinho. O amarramos ao lado de uma chata, bem abrigados do vento e das ondas da represa. Logo pela manhã, tomei um susto enorme: eu havia acabado de sair da cabine quando vi uma ‘cabecinhame olhando da água. Quando olhei em sua direção ela mergulhou rapidamente, mas o susto foi bem grande; voltei para dentro da cabine e falei para o Alexandre que eu achava que tinha visto uma cobra!! Em conversa depois com o pessoal da CESP/AES que veio nos trazer um gostoso café quente, me disseram que era provavelmente uma tartaruga, que há muitas delas na represa. Ufa!

 

Tudo pronto para a eclusagem, estávamos apenas no aguardo de nossos dois tripulantes extras, Sr. Idemir e o Ronaldo. Assim que eles chegaram, partimos e entramos na câmara. O rapaz da eclusa foi extremamente atencioso, nos dando as dicas de como amarrar o barco nas bóias flutuantes e avisando de que era necessário acompanhar a descida da bóia; isto porque já havia acontecido da bóia emperrar e o barco ficar pendurado!

 



Recepção no atracadouro da CESP, Bariri

 


Entrando na eclusa Bariri, com os amigos Ronaldo (esquerda) e Idemir (direita)

 

 

 

 

 

 

 

Todos com o colete colocado, iniciamos a descida! Foram 23 metros de uma eclusagem tranqüila, em que só estávamos acompanhados por um barco do pessoal da AES que fazia a limpeza das paredes com uma wap.

 

Eclusagem perfeita, saímos pelo canal ainda com o mastro abaixado. Segundo o pessoal do atracadouro, poderíamos parar no Porto de Fubá, onde deixaríamos o seu Idemir e o Ronaldo, para que os mesmos pudessem retornar à cidade. Nos despedimos deles e ficamos um pouco tristes, já que não veríamos faces conhecidas por longos dias.

Barcaça de cana aguardando eclusagem, saída da eclusa Bariri

O estreito canal de Bariri, após eclusagem, ainda sem retranca

 

 

Finalmente estávamos na represa de Ibitinga! A paisagem se manteve igual à anterior: muitas plantações ao longo da hidrovia. O caminho a ser percorrido era longo, cerca de 55 km até o Clube Náutico Santa Izabela, que se encontra em um braço do rio Jacaré Guaçu.

Navegamos uns 25 km a motor pois não havia vento algum. Mais ao final da tarde, um ventinho veio chegando, o que nos levou velejando por mais uns 20 km até o próximo ponto de parada, o Clube Náutico Santa Isabela

 

Apesar de não terem sido avisados pelo sr. Nelson, nosso primeiro contato via telefone, fomos muito bem atendidos pelo sr. Moacir e sua esposa. O local é bem simples, típico de pescador, mas foi o local em que melhor dormimos em toda a viagem, já que a água era extremamente parada!

Foi nessa parte da viagem que surgiram três andorinhas que acompanharam nosso barco até o último dia! Elas faziam acrobacias, contornando o barco enquanto velejávamos! Acho que no mar seriam golfinhos, mas no Rio Tietê deve ser andorinhas!!

 

O Enseada parado no Náutico Clube Santa Isabela - Ibitinga

 

No dia seguinte, já reabastecidos de gasolina e gelo, partimos por entre um camalote gigante que fechava a saída do Clube Náutico. Era o primeiro camalote ao vivo que encontramos! A proposta do dia era andar pouco: apenas 17 km nos separavam do Village Hotel, próximo à barragem de Ibitinga. Foi uma decepção: o local não contava com píer e sugeriram que permanecêssemos no antigo porto de calcário, próximo ao hotel. Chegando lá, verificamos que não havia um píer seguro para atracarmos e que o vento estava aumentando, gerando ondas grandes e trazendo mais camalotes para perto da barragem. Fizemos todo o trecho até a eclusa à vela, somente com a mestra, pois o vento estava bem forte.

 

 

Velejando

 

Decidimos descer a eclusa e continuar a viagem. Entramos em contato com os operadores da eclusa e os mesmos nos informaram que poderíamos descer a eclusa após a saída de um empurrador. Informamos que a entrada da eclusa estava fechada por carmalote (ilhas flutuantes) e eles disseram que nada podiam fazer a respeito. Por essa a gente não esperava: mato na porta da eclusa?!! O pobre Enseda jamais teria força para empurrar nenhuma moitinha daquelas!

 

Duas horas após o contato, chamamos a eclusa novamente pelo rádio para pedir permissão para entrar na câmara assim que o empurrador saísse, já que o mesmo deveria abrir caminho em sua manobra de saída. O operador da eclusa disse ok e o operador do TQ 22 sugeriu que entrássemos assim que ele saísse, pois a quantidade de mato realmente estava muito grande (havia até colonião!).

 

Chegou o momento: a barcaça saiu empurrando o mato e rapidamente nos enfiamos pelas ilhotas, passando a poucos metros da popa do empurrador! Ao entrarmos na câmara, fizemos contato com a eclusa e então veio a bronca: “Como vocês entraram?. Eu não os autorizei a entrar!!”. Parece que fizemos alguma coisa errada. Mas achamos que tínhamos combinado....o clima ficou tenso. Para piorar o negócio, o mato continuou a entrar na câmara e circundou todo o nosso barco.

 

A situação que já estava ruim piorou, pois nos demos conta que quando a barcaça voltasse, traria mais camalotes para dentro da eclusa e poderia quebrar nosso motor ou danificar o barco, não pelo empurrador em si, mas pelas moitas que viriam junto. Solicitamos ao operador da eclusa que fizéssemos a eclusagem sozinhos. O comandante do TQ 22 dirigiu-se ao operador da eclusa afirmando: “avisa para o comandante do Enseada que nós somos profissionais e respeitamos embarcação miúdas”. Caramba, o cara ficou nervoso!

 

 

O empurrador TQ 22 retornando para a eclusa, trazendo alguns camalotes

 

Mal-entendidos à parte, a barcaça entrou na câmara e começamos a descida. Eu Rejane permaneci na proa, para evitar que o barco batesse no paredão e o Alexandre ficou próximo ao motor. Quando soou a sirene liberando para a saída da eclusa, o nosso motor não pegava! Já havíamos nos desamarrado da bóia e o barco começou a ser mover para o outro lado. Enquanto o Alexandre tentava fazer o motor funcionar fui correndo até a proa, para evitar que o barco batesse do outro lado! O ponto curioso é que nessa hora já estávamos embaixo da comporta, e a água estava escorrendo em grande quantidade dentro do barco e sobre nossas cabeças! Quando o motor finalmente pegou e conseguimos sair da eclusa, perguntei ao comandante se a hélice havia quebrado, ou o que exatamente havia acontecido. Surpresa, ele havia cortado o combustível e não se lembrou de abrir a válvula quando deu a partida. O “mico” foi total!

 

O vexame foi grande, mas acreditamos que tanto o pessoal da eclusa quanto o pessoal do TQ 22 pensaram que alguma coisa havia se enroscado na hélice. Menos mal!! Este era nosso álibi.

 

As roupas molhadas foram trocadas e nos preocupamos com nosso próximo destino, que seria apoitar na Praia de São Domingos. Não foi possível ter nenhuma informação prévia sobre o lugar, mas nos parecia pouco provável que não houvesse um píer para atracarmos. Andamos todo o trecho a motor. Ao entardecer, nos preparamos para jogar a poita e fizemos um revezamento durante a noite para checar se havíamos saído do lugar ou não. Nosso medo era que aos poucos o Enseada fosse para a hidrovia e colidisse com uma barcaça.

 

Como se pode imaginar, não dormimos nada e partimos no dia seguinte antes do sol raiar. O fato nojento da manhã foi retirar um tufo de “cabelos” submarinos que estava na poita Danforth. O comandante quase vomitou. Parecia que tínhamos acertado uma cabeça no fundo do rio e que agora vinha à tona junto com nossa poita.

 

Arrumamos o barco, erguemos as velas e saímos velejando rumo à próxima parada que seria na casa à beira-rio do Sérgio, um amigo do pai do Alexandre. Neste dia, após 32 horas a bordo, nosso desejo era apenas um píer para atracar e um local para tomar banho.

 

Entre as várias peripécias para verificar qual o braço do rio em que deveríamos entrar, lembrávamos de um fato bastante triste; pouco tempo antes de nossa viagem, um menino que estava velejando nesse mesmo braço passou próximo a um linhão e morreu de imediato. Estávamos um tanto quanto apreensivos, pois não conseguíamos avistar os linhões com muita distância e também porque havia uma quantidade de tocos enorme na represa: não estávamos seguros o quanto e nem onde poderíamos passar com o barco.

 

Seguindo as indicações do seu Carlos (pai do Alexandre), fomos nos aproximando do último píer do bonito condomínio de casas às margens do rio. Avisei o Alexandre de que havia um homem no píer e, quando chegamos perto, confirmei que era o seu Carlos! Que alegria rever um rosto amigo depois de uma noite tão atribulada!

Ponte sobre o rio em Novo Horizonte

Parado em Novo Horizonte, caso do amigo Sérgio

 

Ele nos ajudou com a amarração do barco e nos levou para um tratamento vip: almoço em rodízio de churrascaria, sorvete, compra de combustível e gelo! Que gostoso comer um pedaço de carne fresca, sem estar enlatada! Que delícia poder saborear um sorvete! Coisas tão simples mas que se tornam difíceis dentro da rotina de um veleiro.

 

Após tamanha recepção, ele nos deixou novamente na casa e disse que provavelmente voltaria mais tarde. Voltamos para o barco e, após um leve cochilo, começamos a arrumar as coisas e a tirar o lixo. Barco arrumado, seu Carlos e o dono da casa, o Sérgio, chegaram, e tomamos umas cervejinhas até o sol se pôr... Era lua cheia e aí assistimos o mais bonito entardecer da viagem. A Lua estava enorme. O céu sem nuvens e a água refletindo o luar. Imagem de cinema! Dormimos como reis.

 

 

Por do sol em Novo Horizonte. Noite de lua cheia

 


Estávamos um dia adiantados na viagem e era ainda sexta-feira, dia 16 de maio. Acordamos cedo e nos preparamos para chegar ao Jacarandá Náutico Clube. Velejamos praticamente o tempo todo, 40 km, e no começo da tarde conhecemos o Hamilton, dono da marina do Jacarandá. A recepção foi muito amistosa e emendamos a noite regados a cerveja e porçõezinhas, dando muitas risadas principalmente com a chegada dos amigos Eduardo e Ângela.

 

 

Jacarandá Náutico Clube - Sales

Represa de Promissão – Sales – Mais de 4 km de largura

 

 

Eles moram em Mirassol e possuem um catamarã de 32 pés chamado Christo, feito a partir de um kit. A noite foi muito divertida e combinamos que iremos velejar juntos em uma próxima oportunidade. Nessa noite fomos informados que haveria um encontro de velas em Novo Horizonte mas, como as pessoas do local não estavam sabendo e tínhamos um prazo para terminar a viagem, decidimos fazer a eclusagem e entrar na represa de Nova Avanhandava. No sábado, no Jacarandá, haveria o encontro de jet-skis e decidimos que seria melhor partir antes que o pessoal mais “radical” chegasse!

 

Durante a velejada até a barragem, procuramos avistar veleiros do encontro  com o binóculo mas não vimos nada... “talvez tenha havido alguma mudança quanto à data do tal encontro”, pensamos.

 

Enfrentamos ondas altas de través que balançavam o Enseada fortemente. Realmente aqueles trechos largos devem ser perigosos durante uma tempestade. Chegamos ao ponto de espera da eclusa, pedimos autorização para eclusagem e ficamos aguardando.

 

De repente, fumaça a bordo! A bateria estava esfumaçando, o rádio fazendo barulho de “fora do ar” e  apavorados desconectamos tudo rapidamente. Um curto havia ocorrido no fio que sobe no mastro para a luz de cruzeta. O mastro o havia “mordido” ao ser abaixado. Refizemos parte da instalação e então religamos o rádio. Será que estava funcionando? Se o rádio queimasse, a viagem teria que acabar por ali. Após muitas chamadas pela eclusa, ouvimos o operador respondendo e respiramos aliviados. O rádio estava ok! Pensar que faltavam ainda duas parcelas para pagá-lo e poderia ter queimado!

 

 

Eclusagem tranqüila em Promissão

Nova paisagem após a barragem: um pouco pântano

 

 

Nesta represa algumas bóias de sinalização estavam faltando ou estavam fora de posição, o que tornava um pouco de jogo de adivinhação o caminho a seguir. Pensávamos que já seria difícil encontrar empurradores, mas nos enganamos: havia muitos carregados, inclusive de soja.

 

A viagem até a SEPSA (Sociedade Esportiva de Pesca Salto do Avanhandava) foi bem agradável, e só precisamos abaixar o mastro uma vez para passarmos pela ponte próxima ao clube. Neste dia andamos muito à motor. Lá chegando, vimos que seria difícil parar onde os outros barcos paravam, já que a quilha raspou no fundo do rio. A solução foi então nos encaminharmos para o “piscinão”, antigo tanque de peixes cuja ligação havia sido feita com o rio. Medimos a distância com um bambu e vimos que, aparentemente, a quilha iria passar sem problemas pela parede quebrada.

 

Depois de alguns gritos para comunicar o Alexandre, que estava no barco, conseguimos amarrar o Enseada junto a um poste de luz dentro do piscinão. O lugar é típico de pescadores, que podem ser sócios de carteirinha com direito a uma barraca com água e luz, ou pescadores eventuais. Causamos certa curiosidade no pessoal, que provavelmente não viam com muita freqüência veleiros por aqueles lados. Comidinha feita, desmaiamos novamente dentro do barco.

 

 

O Enseada no piscinão raso no Clube de Pesca d Nova Avanhandava. Noite tranqüila

 

Domingo de manhã, o Alexandre se prontificou a buscar gasolina no posto mais próximo, cerca de um quilômetro de distância segundo um transeunte. Bombonas à mão, foi interpelado por um simpático senhor que se ofereceu para levá-lo ao posto.

 

Barco carregado, nos despedimos do pessoal e seguimos viagem, cerca de 31 km até o Marina’s Park Hotel, em Buritama. Segundo a recepcionista, eles tinham um píer inacabado mas que tranqüilamente poderíamos atracar o nosso barco.

 

Saímos velejando do SEPSA e pegamos ondas fortes pelo caminho. Neste trecho o rio tinha cerca de 5 km de largura, o que tornava a ação do vento bastante efetiva na “fabricação” de ondas. A r5epresa de Promissão também tinha trechos tão largos quanto esse, mas o vento lá em cima estava um pouco mais calmo.

 

Chegando próximo ao Hotel, verificamos que não havia píer disponível. Encostamos em um primeiro momento no píer do condomínio ao lado, e as pessoas ofereceram-no para atracarmos com toda a simpatia do mundo. Contudo, o vento continuava forte e ali não seria seguro atracar, pois o barco ficaria batendo muito durante a noite e não conseguiríamos dormir. Já passava das quatro da tarde quando saímos em busca de um local adequado!

 

Voltamos rio acima cerca de 10 km até chegarmos a um braço onde provavelmente encontraríamos um píer. Para nossa tristeza, o local estava cheio de casas, mas os moradores não nos permitiram atracar. A imprecisão das informações do Hotel nos deixou bastante chateados e dormimos novamente na poita, acordando de tempos em tempos para verificar como estava o posicionamento do barco.

 

Nessa noite fizemos um “inseticídio” no barco e nos protegemos dos morcegos, que insistiam em ficar rodando à nossa volta. Passado o desânimo, ouvimos músicas e demos uma olhada naquelas revistas de fotos, que não requerem seu raciocínio.

 

 

Rejane vendo revista após o “inseticídio”. Fundeados em Buritama

 

 

A noite foi agitada e, antes do sol nascer, já tínhamos preparado o barco para zarpar. Avisamos a eclusa que chegaríamos em uma hora para a eclusagem, a última de nossa viagem.

 

Entretanto, o vento continuava forte e as ondas também. Vestimos os coletes salva-vidas e aí deu início a uma das partes mais desafiantes da viagem.

 

Conforme íamos nos aproximando da eclusa, o vento se tornava mais forte e as ondas cada vez mais altas. Lembramos de nossos amigos de Barra Bonita, dizendo sobre as dificuldades nas partes mais largas do rio com ventos fortes. Realmente as ondas tinham aproximadamente 1 metro de altura, entre a parte mais baixa e a crista da onda.Tentamos sempre posicionar o barco para recebê-las pela popa, mas mesmo assim o Enseada sofria. O pior ainda estava por vir. Teríamos que abaixar o mastro naquela situação!

 

Ao nos aproximarmos no Ponto de Espera da Eclusa, iniciamos nossos contatos e depois de longos minutos recebemos a resposta que teríamos que esperar mais um pouco. Nesta altura, já com o mastro abaixado, o barco parecia desmontar a cada nova onda. O fato dos estais estarem frouxos e o mastro deitado, deixava todo o equipamento em uma situação muito frágil. O mastro chegava a sair do suporte que fizemos de apoio na popa, forçando sua base para cima, fazendo uma tremenda força de alavanca. A impressão é que o teto da cabine seria arrancado, mesmo com um de nossos tripulantes apoiando todo seu peso sobre o mastro!

 

Quando recebemos a informação da Eclusa que estávamos liberados, seguimos rumo a entrada da câmara, o que seria nossa porto seguro. Mas qual a nossa surpresa quando olhamos para dentro da câmara e lá estavam as ondas, firmes e fortes. Pensamos “como iríamos amarrar o barco?”. Quando chegamos ao lado do muro guia de entrada, o maior susto: as ondas arrebentavam no muro e voltavam formando uma zona de turbulência onde nosso barco, pequeno e leve, ficou por aproximadamente meio minuto sem nenhum controle. Não batemos no muro por questão de centímetros!!. Conforme entramos na câmara, as portas começaram a ser fechadas, e só então as ondas em seu interior começaram a diminuir.

 

“Laçamos” a bóia com os cabos de amarração e o Enseada conseguiu ficar um pouco mais calmo entre as ondas. A descida na eclusa de Nova Avanhandava (NA) é feita em duas partes: entre as duas câmaras há um pequeno “lago” que deve ser cruzado para a entrada na segunda câmara. Nessa parte o vento já não fazia ondas e pudemos relaxar um pouco!

 

Fortes ondas antes da barragem de NA

Saída da primeira câmara rumo à segunda. Eclusa N.A.

 

 

Foi com grande alívio que saímos da eclusa e percorremos o canal de segurança com o barco intacto, sem nenhuma avaria causada pelo vento tão forte! Finalmente, nossa passagem pelas eclusas havia terminado!

 

A descida da eclusa de Nova Avanhandava foi bem tranqüila, sem nenhum tipo de transtorno. A nossa surpresa foi a paisagem após a barragem, bem distinta da de Promissão, pois parecia um “pântano”, cheio de ilhotas e vegetação aquática. Nas margens o que avistávamos era somente pasto, bem característico da cultura pecuária.

 

A proposta do dia era pararmos no Parque Náutico Veleiro, mas, como ainda estava cedo, decidimos continuar a viagem até o Iate Clube Araçatuba. A dificuldade era não encalhar, pois, de acordo com o Atlas da Hidrovia, havia áreas perto da hidrovia com somente 40 cm de calado!

 

Conseguimos determinar um bom caminho e paramos no píer branco do Iate Clube. Que felicidade estar em terra novamente e poder tomar um bom banho! As nossas amigas andorinhas também chegaram lá e nos recepcionaram na chegada à terra. Apesar da excelente recepção, o Iate Clube estava vazio, e a sensação de solidão nos pegou. Decidimos rever nosso planejamento de viagem e que, se não houvesse lugar para pararmos nos próximos dias até a chegada à Ilha Solteira, que poderíamos até parar a viagem ali.

 

Ligamos novamente para os próximos pontos de parada previstos e verificamos que em Ilha Solteira não seria fácil retirar o barco da água, pois em se tratando de uma marina pública, todos os procedimentos eram mais complicados. Decidimos então tirar o barco em Pereira Barreto, na Marina Dinâmica das Águas.

 

 

O belo Yatch Clube Araçatuba. Recepção excelente

 

Acordamos cedo e preparamos o barco para os dois últimos dias de viagem: o penúltimo ponto de parada seria o Hotel Fazenda Santa Clara, que se encontra dentro de um braço do rio Tietê.


 

Chegando ao ponto da hidrovia indicado pela dona do hotel, entramos em um braço a esquerda que neste ponto tinha quase um quilômetro de largura. Navegamos por uns vinte minutos e a paisagem era bonita, mas ao mesmo tempo triste e vazia. Talvez nosso sentimento de solidão estava aumentando. Começamos a procurar o hotel fazenda e já imaginamos um grande prédio brando, com gramado ao redor, estacionamento para carros e um belo píer com lanchas estacionadas. Imaginava encontrar várias pessoas repousando, andando a cavalo e se divertindo nas margens do rio. Olhávamos ao redor e víamos pasto, somente muito pasto. Somente mais ao longe podíamos ver algo diferente: pasto! Onde estava o hotel fazenda? Já havíamos navegado cinco quilômetros braço à dentro em quase uma hora de navegação e nenhum sinal do hotel. O sol já bem amarelado estava prestes a se pôr e então começamos a ficar desanimados. Seria mais uma noite na poita. O interessante é que a sensação de solidão e que não havia nada e ninguém ali por perto nos deixava mais apreensivos em dormir apoitados. Havia uma certa insegurança no ar e então decidimos ligar para a dona do hotel para obter mais informações. A Rejane ligou o celular mas não havia sinal nenhum. O jeito era continuar andando até que não houvesse mais luz do sol para navegar com segurança.

- Vamos voltar para o Rio Tietê, comentei.

- Por que? -  comenta Rejane. Não há tempo de voltarmos tudo o que já andamos até agora e não faz diferença dormirmos aqui ou no Tietê.

Na verdade, a sensação de dormir no Tietê parecia me levar para mais próximo da civilização, ver alguma barcaça durante a noite ou alguma luz de algum barco.

- Tem um pontinho de sinal de celular! – diz Rejane. Ela pegou rápido o número e ligou para a Sra que informou que o hotel estava a poucos minutos do Tietê, mas navegando de lancha! Hah, aí estava o problema. A cinquenta quilômetros por hora fica fácil andar dez para um lado ou dez para o outro, mas com um motor de três HP a sete quilômetros por hora a coisa muda de figura. Ela não sabia dizer a distância correta entre o hotel e o Rio Tietê, mas pelo menos soubemos que o hotel existia realmente.


O que parecia estar próximo da hidrovia na verdade estava a 10 km em um braço do rio. O sol já estava se pondo no horizonte e estávamos quase desistindo de encontrar o tal Hotel O cenário era do Pantanal. Mais próximo ao hotel, centenas de árvores secas, com galhos a vista estavam à nossa frente, e no meio delas estava o Hotel. Passamos já na penumbra por entre os troncos a menos de meio km por hora. Um tronco daquele no casco seria um bom prejuízo e o final da viagem!. Chegando lá, decidimos dormir no barco, já que era nossa última noite a bordo.

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Ao fundo, paliteiro de galhos e troncos no Hotel Fazenda

 





Após comemorarmos com algumas cervejas e vinho, o cenário do Pantanal se confirmou. Olhamos com a lanterna para a escuridão e, entre os gritos das capivaras e seus mergulhos, observamos vários olhos vermelhos movendo-se sobre a água vindo em nossa direção. Terror!?. Não, eram jacarés mesmo. Como a noite estava sem lua e muito escura, o melhor a fazer era fechar o barco e dormir.

 

No dia seguinte, antes do nascer do sol, partimos rumo ao nosso porto final. Voltamos os 10 km de “braço” até a hidrovia e continuamos a longa linha reta até a cidade de Pereira Barreto. O vento voltou a aumentar, mas a largura do rio e o tamanho das ondas não nos animou a erguermos as velas. Continuamos com o motor até a entrada do canal de Pereira Barreto. Informamos o operador de Três Irmãos sobre nossa posição e cruzamos com a ultima barcaça de soja.

 

O dia estava ensolarado e nos aproximamos da Marina Dinâmica das Águas. Lá estava o motorista da saveiro nos acenando. A rampa para retirada do barco não era lá aquelas coisas, sendo de terra e muito rasa. Para chegarmos até ela, contornamos alguns bancos de areia. Mesmo com a quilha raspando no chão, conseguimos subir o Enseada na carreta e retirá-lo da água.

 

O motorista do trator do local era meio “braço” e quase bateu o Enseda em uma lancha parada.

 

 

Chegando em Pereira Barreto

O Enseada fora d´água no Dinâmica das Águas

 

 

Era o fim de doze dias de viagem. Arrumamos os equipamentos, amarramos o barco e seguimos o caminho de casa.

 

Simplesmente realizados! A viagem nos deu sensações diferentes, emoções, medos, solidão, alegria, prazer de uma aventura. Parece um pouco exagerado por se tratar de um rio, mas não quando pensamos em nossa experiência: um ano de vida náutica e realizamos o sonho de muitos veteranos.

 

Retornando para casa: o enseada sendo devolvido à represa do JaguariJoanópolis

 

  E-mail: velejandonotiete@uol.com.br

 

Tabela*

Número de desmontagens do mastro: 10

Gasolina utilizada: 59 litros

Água potável: 30 litros

Gelo: 15 kg

Número de recargas de bateria: 4

Motor: Mercury 3.3 hp

Barco: Paturi 16, ano 1988; Nome ENSEADA

Equipamentos: GPS Garmin Etrex; Rádio VHF Uniden Solara

Dias de navegação: 11 dias

Distância partida / chegada: 397 km

Distância total navegada: 431 km

(Cerveja: 84 latas !!)

 

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